32 – O EPÍLOGO DA VISÃO

Por Wilson Solon.  

O GOLPEA favor da nitidez, em meio às trevas, conduzi esta série sob três perspectivas (além dos 30 pontos de vista) as quais chamei de singulares – da Globo, do Lula e deste cineasta. Pretendo terminá-la da mesma forma. Ou talvez de forma menos pessimista, pois ainda acho possível transformar as dores, as enfermidades e as depressões (da economia ou da alma), em saídas luminosas para crises que nos parecem maldições eternas.

Por outro lado, convém não ser tão otimista na tragicomédia nacional. Onde, curiosamente, o temor da direita – em relação aos pobres – acabou por se materializar com papéis trocados. De fato, jamais teríamos imaginado tantas ameaças da escória da sociedade – e da humanidade – representada pelos delinquentes que se apoderaram do Governo e do Judiciário do País.

Mas o inusitado não termina aí. A despeito de não serem eleitos e destituírem uma presidenta legítima, eles são também os “responsáveis” pela lisura e pela operação em si do próximo pleito “democrático”. Cujo principal candidato se encontra sequestrado, e o voto impresso – único legitimador físico das democracias – foi eliminado antes mesmo das eleições!

Vale sublinhar esta decisão de fazê-lo desaparecer, por suprema ironia, nos bastidores do STF, o mesmo órgão de “legitimação de um golpe” – o que até então supúnhamos ter decorrido de sua simples omissão. Na verdade, seus ministros ainda disputam uma batalha sub-reptícia – mas já indisfarçável – para submeter o próprio Tribunal a uma de suas diáfanas metades: a dos apenas acovardados, ou a dos efetivos golpistas togados.

Quem, a curto ou médio prazo, vê alguma saída para um desastre nacional dessas proporções? A rigor, a maioria da população (que não aparece nas pesquisas eleitorais) ainda parece não ver coisa nenhuma. Ou ficou mal acostumada com o curto período (de gestão do PT) em que as soluções surgiam naturalmente da própria normalidade democrática.

E assim o Brasil espera que tudo volte aos eixos por “osmose democrática”. Ou através das próximas eleições “livres” (no caso, neoliberais). Portanto, já não tratamos de fé cega nem de imaginação. Em imagens mais gráficas, sofremos de delírios televisivos. Na História, conhecem-se duas vias para escapar de situações como a nossa, em cujos extremos estão, respectivamente, a oficialização da ditadura ou a guerra civil.

Seja como for, seria contraditório se este observador de imagens turvas pretendesse diagnosticar a cegueira coletiva sem apresentar sua própria “visão de futuro”. Eis por que admiti debater-me entre o “otimismo profético”, por acreditar que há uma terceira via entre os referidos extremos, e o “pessimismo racional”, por nos sabermos presas de criminosos vorazes e insaciáveis.

Diante de nossa grave distopia social, talvez devêssemos falar da terapia coletiva mais óbvia contra os golpes, o banditismo, o entreguismo, o lawfare ou o que seja: a reação popular. Contudo, parece que ainda não conectamos essa entidade genérica – o povo – a cada um de nós, ricos ou pobres; porém suficientemente dignos e indignados para não sermos meros figurantes nesse teatro do absurdo.

Diante do arbítrio, portanto, proponho uma derradeira análise da mais óbvia conexão da consciência com a realidade objetiva, e também o elo entre o indivíduo e a sociedade: o livre-arbítrio. Com efeito, sempre podemos escolher entre distrair ou retomar a consciência – das dores e do caos já instaurados.

Mas, evidentemente, nunca poderemos evitá-los, se não nos dedicamos a prevê-los. Em outras palavras, antes dos sofrimentos em si, é preciso querer vê-los e conhecê-los (os próprios e os alheios), para então combater suas causas teóricas e seus virtuais autores, na realidade material.

Por medo, perplexidade, vergonha (própria ou alheia), os gritos e protestos habituais talvez continuem aprisionados nas gargantas brasileiras (exceto as infectadas pelo ódio). Ainda assim, reitero que o livre-arbítrio é a única ‘potência’ – disponível a todos os seres humanos – capaz de alterar a realidade, para o bem ou para o mal. Pelo menos em tese. Na prática política, no entanto, a criatividade dos brasileiros conseguiu subverter esse silogismo universal.

Paradoxalmente, todos parecemos padecer da mesma impotência, diante da anomia golpista: na esquerda, pelos atentados sucessivos aos canais democráticos e constitucionais que a conduzem e a legitimam no poder; na direita, pelo rotundo fracasso moral e operacional dos próprios assaltantes do poder. Por fim, em terra de cegos, parece que já ninguém é capaz de reinar.

Mas convém retificar essas ilusões de ótica, sintomaticamente disseminadas pelo maior monopólio de imagens conhecido em alguma nação civilizada, democrática e gigantesca do planeta – a Rede Globo de Televisão.

Dos diagnósticos aos prognósticos

Nesta nova direção (para as velhas imagens manipuladas), retomo as três perspectivas mencionadas. Na verdade, nem sequer nos ocuparemos, por evidente e redundante, do destino deste cineasta e jornalista, desde a opção por voltar a um país que ignora o próprio Cinema e a Imprensa Livre (da tutela ideológica do imperialismo).

Analogamente, para este e qualquer outro observador dos desastres nacionais, ou para todos os que sucumbem (mas também sobrevivem) às depressões, e sobretudo para os milhões de brasileiros que amargam as ameaças ou os horrores efetivos do desemprego, traçar prognósticos de curto prazo, numa terra arrasada, seria mais um pleonasmo.

Entretanto, por tudo o que vimos, aqui e nas telas, os prognósticos para a Rede Globo tampouco são os melhores; seja pelo destino histórico de outros impérios e monopólios, seja pela premissa “filosófica” de quem a fundou como uma “usina de poder” (nas palavras do “Doutor” Roberto). A rigor, uma patética ameaça aos protagonistas dos poderes constituídos, em qualquer democracia. Mas não menos ameaçadora para o próprio monopólio.

Na melhor das hipóteses, seus colaboradores mais “confiáveis” continuarão a ser confrontados com dois paradoxos mefistofélicos: ter que “negociar” suas melhores energias criativas, produtivas e afetivas com um parceiro compulsório (pela absoluta falta de alternativas) e, no mesmo ato, ter que renunciar ao próprio objeto da negociação – a liberdade mental.

Até aqui, esta censura apenas “controversa”, para algumas celebridades, afinal se tornou explícita para todos os jornalistas das Organizações Globo (agora amordaçados pela chamada “lei Chico Pinheiro”); embora seja também uma “censura didática”, para os que ainda se convenciam de possuir o que há muito já perderam: a consciência do próprio cativeiro “intelectual”; que, ironicamente, se realimenta da prática – inconsciente ou auto-consentida – da desinformação.

Doravante, portanto, todos os profissionais globais deverão encontrar novos argumentos para justificar sua prisão em nome de alguma “isenção” (como proclamada por um dos grotescos irmãos Marinho). Nesta espiral inescapável, porém, há também os que já estão fora (de qualquer espécie de “negociação” com a Globo). Deduzimos que eles tenham outras fontes de informação.

Mas igualmente podemos concluir que os brasileiros lúcidos já são (e cada vez serão) mais numerosos do que os idiotizados em geral. Cifras, aliás, comprovadas pela recente autopropaganda enganosa – dos “100.000.000 de uns” reconhecidamente manipulados pelo “império global”.

Por outro lado, temos também o seu reconhecimento implícito – e insuspeito – de que pelo menos cem milhões de brasileiros já não assistem a Globo com a regularidade de um convertido. Uma vez mais, tal como as perspectivas do copo meio cheio ou meio vazio, tudo depende da escolha dos otimistas e dos pessimistas (de esquerda ou de direita).

Contudo, segundo as teorias da evolução (animal e civilizatória), que não excluem os brasileiros (como querem os temerários usurpadores), há ainda uma perspectiva absoluta para gregos e troianos: os “idiotizáveis”, por mais poderosos ou numerosos que sejam, em uma sociedade, são também os mais vulneráveis à extinção; ora pela sua quantidade, inevitavelmente decrescente, ora pela pífia qualidade de suas contribuições à espécie humana.

O mesmo destino, insisto, terá qualquer fábrica de idiotas que suponha dominar e impor, ao mundo real, o mais frágil dos paradoxos ficcionais: o “poder” de negociar com intelectos (de políticos, de telespectadores, ou de seus próprios profissionais) que têm cada vez menos autonomia de negociação.

Perspectivas temporais

Já em relação ao Lula, ao contrário, hipóteses, diagnósticos e prognósticos convergem todos para o mesmo ponto de equilíbrio, ao menos na teoria. Após os 70 anos de idade, o saudável ex-presidente nem sequer precisaria negociar coisa alguma que já não figure, com louvor, no seu currículo de maior empreendedor da nossa história; ou na galeria dos grandes personagens da história mundial.

Na prática, porém, nossas elites encontraram mais uma solução original, aos olhos do mundo, conquanto vergonhosa para a imensa maioria da população: em lugar dos dissabores democráticos – de expor interesses inconfessáveis e de ouvir contra-argumentos inegociáveis – nossa singular “democracia” permitiu que o maior interlocutor dos brasileiros fosse calado à força.

O prisioneiro da mídia e de uma Justiça ensandecidas, não obstante, segue consciente de seu compromisso com o povo. Mútuo, aliás. E cabe destacar que a reciprocidade, a intensidade e a sinceridade das massas são a antítese dos fanatismos religiosos com que muitos insistem em confundir a gratidão popular pelo Lula.

Tal como as águas dos rios, trata-se de uma força cujos movimentos não podem ser aprisionados em dogmas ou liturgias. Nem por meio de sentenças judiciais. Portanto, se já vimos que a hidrofobia das elites é fruto das enfermidades do espírito, o amor genuíno é o antídoto mais eficaz também na matéria, onde a barbárie pode assustar, ameaçar, golpear e destruir. Mas esgota-se, como determina a própria Natureza (a humana incluída).

Sob as mesmas Leis Naturais (embora na direção inversa), as sábias razões e as generosas motivações dos grandes espíritos estão também na origem dos mais ousados projetos no mundo físico. Quando não deságuam e fertilizam outros territórios estéreis, metafórica ou literalmente, como ocorreu na audaciosa transposição do Velho Chico (que só um cérebro fértil, ou “uma ideia”, como o Lula, ousaria empreender).

Em suma, à diferença de outros animais, as emoções e o intelecto humanos não atuam por si, senão em obediência a seu comando supremo, para o bem ou para o mal. Alguns homens de fato se assemelham às bestas selvagens, cujas ações violentas podem provocar reações proporcionais. Porém, na espécie humana, ações e reações serão sempre decisões do livre-arbítrio. Ainda que por omissão.

Compreensivelmente, no Brasil do arbítrio, as reações civilizatórias retratam também os nossos paradoxos: ora se “expressam” num desconcertante silêncio da população, ora se “consolidam” nos mais insólitos sentimentos, tanto para políticos quanto para eleitores. No entanto, são reações tão evidentes que nos permitem observá-las de vários ângulos.

Ou já a partir das pesquisas eleitorais, com suas imagens contraditórias (e, não por acaso, omitidas pela Globo): à esquerda, o crescente descontentamento das massas com o sequestro político do seu “não candidato” (embora seja o líder absoluto nas intenções de voto); à direita, os ódios e o desespero de uma elite fanática e tragicômica, que após golpear e sequestrar os direitos da maioria, afinal percebe que já não tem votos, nem sequer um candidato que os dispute – com o Lula.

Narrativas atemporais

Como tais sentimentos, ainda que consistentes ou contundentes, pertencem aos domínios abstratos do espírito, muitos não os consideram diagnosticáveis nem prognosticáveis. Embora o sejam, quando se convertem em discursos menos ou mais repetitivos; que, por sua vez, constroem narrativas menos ou mais duradouras. Como as duas que há décadas disputam a hegemonia política no Brasil.

Além disso, reitero que as emoções e as razões humanas obedecem a padrões relativamente previsíveis, tanto para os seres “normais” (vale dizer, vocacionados para a generosidade e a sabedoria) quanto para os diversos grupos de indivíduos que – pelo “arbítrio” ou por inércia – ainda aplaudem uma anormalidade empresarial como um monopólio de comunicação.

É preciso querer condenar, portanto, todos os atentados à cidadania e à humanidade; ou antes, decidir estabelecer as prioridades da consciência, de todas as formas possíveis: a indignação deve ser a primeira delas, no espírito; o voto talvez seja a última, se tivermos sorte. Em meio à cegueira coletiva, de fato não podemos prever até onde irão os destemperos dos loucos, na dimensão material.

Por outro lado, já somos capazes de perceber com clareza as duas narrativas que sobreviveram nas últimas décadas. E somente agora, nos estertores do golpe, tornam-se evidentes a derrocada moral do discurso da Globo e (aversões ou simpatias ideológicas à parte) o absoluto triunfo – político, ético e democrático – do discurso do Lula.

Eis também as provas de que as aparências enganam: a perdedora parece continuar livre para disseminar suas imagens manipuladas por todo o território nacional; assim como o vencedor parece impedido de exercer seu direito de expressão, confinado a uma cela em Curitiba. Na esquizofrênica imagética nacional, porém, ficção e realidade não seguem uma lógica cartesiana.

Paradoxalmente (ou não), em benefício do foco e da isenção – que jamais seria a dos Marinho – podemos estar seguros de que participamos de um jogo de espelhos: a rigor, é o Lula quem comanda cada vez mais os destinos do País; e é a arquiteta das fake news que se perde literalmente no ar, na mesma medida em que vai transferindo sua credibilidade para quem de fato foi capaz de conquistá-la.

E sabemos que as empatias se devem menos aos apelos da fama, ou do capital, do que às razões e emoções da alma. Sem precisar retornar à narrativa pessoal, mas para encerrá-la com a mesma imparcialidade, assim como denuncio a Globo – nunca além da crítica fundamentada nem aquém do desprezo absoluto – seria redundante falar do meu respeito e afeto pessoal pelo Lula, ou pela Dilma.

Entretanto, vale observar os movimentos anímicos cada vez mais comuns a todos os brasileiros (ou pelo menos aos mais sensatos) e que apontam curiosas tendências: através da razão, a defesa do patrimônio de toda a sociedade (exceto dos que hoje o entregam ao imperialismo); e através da emoção, a justa gratidão pelos que governaram para todos, com uma entrega quase religiosa, ainda que sobretudo os fundamentalistas cristãos os tenham caluniado e afastado do poder.

Para os demais brasileiros que se pensam cristãos, ou que não pensam como este observador do cristianismo (sob um ponto de vista ainda obscuro para a maioria), faço questão de registrar minha sincera admiração pelas mensagens de Jesus – o filósofo judeu – embora jamais como uma justificativa para o meu repúdio, proporcional, pelas imagens manipuladas e atribuídas ao “cristo” helênico.

Seja como for, trato dos avanços e retrocessos civilizatórios como movimentos cíclicos; e inevitáveis em qualquer processo evolutivo. Mas perfeitamente alteráveis no tempo, em função da ‘vontade’: ora de prolongar as destruições sociais, pela omissão da maioria, ora de acelerar as construções, pela ativa solidariedade dos mesmos agentes sociais.

Porque de fato acredito, amigos e leitores,  que só o amor individual – e nenhum coletivo religioso – consegue curar as doenças de uma alma egoísta. E somente uma sociedade amorosa – como somatório dos indivíduos altruístas – impedirá os ataques a uma Nação tão imprescindível ao processo civilizatório, como o Brasil. Será apenas uma questão de tempo.

E repito, de boa vontade.

 


 

POST-SCRIPTUM

A propósito dos ciclos (mais ou menos duradouros) e da própria relatividade do tempo, retomo esta série, para concluí-la, após uma breve interrupção (pela qual já me desculpo, antes de explicá-la em outra postagem), mas cujas causas o livre-arbítrio realmente não pôde evitar.

Por outro lado, assim como estabeleço aqui o “epílogo” da série, também posso voltar a publicá-la, do mesmo ponto. Em outras palavras, nos ciclos históricos, analogamente, os pontos de partida e de chegada podem confundir-se, ou não passar de simples convenções cronológicas.

E a propósito desta relatividade do livre-arbítrio (na gestão do tempo), muitos de nós já nos sentimos “obrigados” a lutar, com urgência, pela restauração da democracia no Brasil. Embora na verdade sejamos livres, para fazê-lo ou não, enquanto perdurem os assédios aos direitos e às consciências dos brasileiros.

Em resumo, como vivemos uma guerra atemporal – entre a manipulação e a iluminação das mentes – decidi usar as únicas armas de que disponho. E como falei de pontos de vista atemporais, voltarei a publicá-los, para quem ainda não os conhece.

Desde já, agradeço a todos os que decidam divulgá-los, se igualmente acreditarem que só as ideias podem ser revolucionárias. Sem impô-las, evidentemente, aos que “decidem” orientar-se pelas imagens televisivas.

 


 

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