Por Wilson Solon.
Nesta já longa expedição rumo às raízes ocultas da corrupção, fomos desviados pelos discursos econômicos da direita. Na verdade, desviar atenções é o seu mister. Por outro lado, conhecer esses discursos acrescenta um número proporcional de sinalizadores para voltarmos aos corruptos que investigamos. A rigor, os novos dados psicológicos individuais abrem autênticas autoestradas em direção a esses territórios sociais outrora ocultos, ou dissimulados.
Portanto, nos planos social e ideológico – pela própria proximidade, acumulação e idolatria do capital – torna-se redundante (ou ridículo) especular se seria a esquerda ou a direita a facção da sociedade mais vulnerável às contaminações do capitalismo. Antes das provas materiais, porém, vale sublinhar que essa lógica é válida também para os indivíduos.
Patologias individuais
Tão graves quanto os assédios exteriores do capitalismo são os “vírus” silenciosos – o egoísmo, a avareza, a ganância – que se alojam no interior do espírito humano; e terminam por afetar a visão e o discernimento dos valores absolutos – como a honestidade e a imparcialidade – antes mesmo que a delinquência se manifeste na pessoa de um corrupto, ou nas suas relações materiais.
A mesma lógica patogênica se aplica aos distúrbios psíquicos na política, tão mais evidentes quanto mais se desviam à direita. Até que as justificativas para se afastar do ponto de equilíbrio sejam desmascaradas: ora pela razão, habitualmente “relativizada” por mentiras de curta duração; ora pelo emocional, quando as ambições egoístas afinal se transformam em ódio contra as esquerdas.
Com mais frequência, o consórcio – entre as mentiras e o egoísmo – se estabelece muito antes que alguma patologia moral ou física se torne visível. No entanto, um desvio emocional não prescinde do que já foi descrito como uma efetiva “ideologia da corrupção”, o que podemos confirmar em todos os níveis do capitalismo – pessoal, social e “global” (no nosso caso, literalmente).
Como ninguém discute que as forças motrizes da direita capitalista são as mais poderosas, partiremos do nível mais primitivo e de seus extremos ditos “subjetivos” – a ambição e a ira descontroladas – mas que afinal geram e gerem os mecanismos objetivos: os multiplicadores do próprio ‘capital’ (sempre mais especulativo do que produtivo), os de propaganda do mercado e os de perseguição aos que pensam fora da “caixa” (de imagens midiáticas).
Passamos assim aos outros níveis igualmente paradoxais. A rigor, um paradoxo a cada passo, entre a realidade e a ficção televisiva.
Os níveis da corrupção
Começo pelo nível empresarial: o que deveria ser apenas literal (ou seja, não mais do que uma empresa) converteu-se num “monopólio global” das comunicações. Entretanto, nos níveis moral e ético, sua pujança aparente (já a partir da construção de suntuosos cenários fictícios) afinal pretendeu reconstruir também a realidade – “à sua própria imagem”.
O maior dos paradoxos, no entanto, foi construído no nível coletivo (embora também individual, como veremos). A Rede Globo manipulou, escondeu, mentiu e corrompeu, com tal volúpia, que por fim se revelou “digna” de seu público “cativo”: os alienados intelectuais e os portadores de idênticas ambições patológicas; na melhor das hipóteses, as mesmas multidões que, a seu pedido, foram às ruas implorar pela destruição dos próprios benefícios, direitos e empregos.
Ainda que a autopropaganda da Globo tenha se especializado em maquiar as estatísticas (e os paradigmas mentais) de suas audiências, ou inclua nelas os que também vão buscar informações em outras fontes, sabemos que seu espectador “fiel” há muito já não espelha as melhores qualidades exigidas pelos “mercados” (publicitário, empresarial, financeiro, etc.) e tampouco suas quantidades são mais confiáveis, por exemplo, do que o eleitorado do Lula.
Contudo, jamais tomaríamos o ex-presidente, em lugar do atual usurpador, como paradigma da corrupção no nível individual (e também coletivo, como veremos). Não só pela falta de provas (ou excesso, no caso do Temer), senão pelo conteúdo pedagógico evidente no comportamento de um corrupto notório, ou pela abundância dos aspectos ativos e passivos das traições e ambições; mas, sobretudo, pelo obsceno cinismo que esculpe um cara de pau “autêntico” (em que pese mais um paradoxo).
Posso inclusive dispensar, como cineasta, os conhecimentos psíquicos tão necessários à construção de um personagem de ficção. Ou seja, quando a realidade nos apresenta um canastrão como o Temer, convém voltar à já utilizada “desconstrução” literal (sob o ponto de vista psicológico), como o aludido golpe metafórico que separasse os hemisférios direito e esquerdo do cérebro humano.
Na prática, ninguém jamais conseguiria essa desconexão definitiva entre a razão e as emoções – cujo efetivo intercâmbio é administrado pela consciência. Não obstante, esta ruptura teórica é precisamente o que os grandes corruptos tentam fazer consigo mesmos (os pequenos, via de regra, desistem antes que a consciência entre em pane).
Imagens e máscaras
A rigor, estivemos diante dos episódios mais patéticos de desconexão cerebral da nossa história. Ainda assim, temporários, como todos os ciclos epidêmicos, que matam e morrem com a mesma brevidade. Em suma, as “emoções capitalistas”, desprovidas da razão, tornam-se gananciosas além de qualquer limite racional; assim como a “razão capitalista”, desprovida de emoções, resulta tão cínica quanto perversa.
A desconstrução do canhestro personagem em questão reproduz o ciclo virótico e a anatomia política de todos os demais capitalistas – do “centro” à ultradireita – cujos nomes e imagens já foram suficientemente veiculados pela Globo. Antes, porém, todos eles foram simbolizados e chefiados por um “presidente” que, notoriamente, tomou o poder, locupletou-se e subornou – com propinas ou decretos – em rede nacional. Ainda assim, continuou presidente.
A perplexidade geral de fato não se explica. Sente-se, apenas. Com vergonha alheia e às vezes própria (pela eventual cumplicidade). Não obstante, já é possível compreender a desfaçatez dos quadrilheiros e a de quem os fabricou. Sabemos que esses atores políticos, embora os mais obscuros da nossa política, foram trazidos das trevas sob máscaras produzidas e enfiadas, diariamente, retinas, goelas e casas adentro dos brasileiros. E só tardiamente a Globo terá percebido que eram corruptos?
Eis a comprovação das nossas premissas: as emoções perturbadas necessitam de alguma cumplicidade da razão; por conseguinte, a direita a corrompe sem pudores, mas com relativizações, justificativas, publicidades enganosas e outros neologismos para velhos delitos (que já foram resumidos, sob o ponto de vista dos discursos econômicos).
Já temos também a explicação para o enigmático fenômeno que os une a todos sob a mesma ‘cara de pau’: suas pós-verdades (ou fake news) não são simples mentiras, mas bálsamos efetivos para suas emoções doentias. Portanto, nos níveis individual e coletivo (como disse que veríamos), convém ir além do mero diagnóstico de um corrupto, na investigação das corrupções ideológicas.
Teologias e ideologias
A humanidade já perdeu séculos de evolução intelectual na identificação dos “endemoniados”, entre outras masturbações teológicas. Hoje, nada é mais urgente do que admitir a existência prévia (e os danos psíquicos inevitáveis) de uma eficiente ‘ideologia da corrupção’. O capitalismo em vigor é o autêntico sucessor das velhas teologias (embora não menos dissimulado).
A ideologia da direita é o denominador comum aos que se afastaram do verdadeiro ponto de equilíbrio: o socialismo; sem conotações partidárias, mas como conceito unificador de todos os seres humanos na gestão de toda a sociedade. Assim como o capitalismo unifica uma vasta gama de políticos (liberais, centristas, conservadores, reacionários, neofascistas, ou alienados) que pouco têm em comum, além do visível desvio à direita – em direção ao capital.
Contudo, chamo a atenção para as desproporções entre as respectivas “abrangências” ideológicas. Quantitativamente, a esquerda inclui a todos, por definição, tal como a natureza física; assim como admite qualquer forma de gestão social que não avilte a natureza humana. Já a direita capitalista – pela própria premissa (anti)natural de gestão – exclui tudo aquilo que não represente (e a todos que não possuam) algum capital. Ou que represente algum ônus para o mercado.
Qualitativamente, porém, o que é óbvio torna-se insultuoso, para quem é são e digno. Ou não seja portador dos desvios óticos e éticos (já analisados), vale dizer, para a espécie humana em sua quase totalidade – perfeitamente demonstrável, tanto pelo equilíbrio das leis naturais quanto pelo que vem a ser naturalizado através das leis humanas (apesar da recente epidemia de decretos ditatoriais e sentenças judiciais absolutamente insanos).
A direita e seus políticos já começam por ser uma fraude numérica, proporcional ao próprio acúmulo de capitais. E não deixariam de sê-lo também no Congresso Nacional, por exemplo, onde os numerosos BBBs (os representantes da bala, do boi e da bíblia) talvez sejam menos conhecidos do que seus congêneres da Globo, embora mais virulentos.
Por tudo isso, o capitalismo fornece as provas das próprias insanidades. Ou as contraprovas, para quem imagina que a razão em seu estado natural – na sanidade e na dignidade absolutas – possa sobreviver ao assédio das emoções desvairadas. Ainda que o consiga, por algum tempo, reitero que jamais evitará as enfermidades hoje suficientemente conhecidas dos brasileiros – algozes e vítimas.
Terminologias
Em termos econômicos, portanto, a sistematização de uma ideologia – como o capitalismo – era a condição necessária para aplacar as emoções desequilibradas e legitimar as relativizações intelectuais. Temporariamente, repito. Embora esta premissa seja autodemonstrável, em cada um dos níveis mencionados, vale a pena finalizar com suas demais traduções.
Em termos políticos, as patologias da razão – ou as ideologias irracionais – podem fornecer uma panaceia de analgésicos temporários para quem tem vocação para se corromper. Meras “revisões” ou “complementos” orçamentários tornam-se biombos frequentes para subornos, propinas e outros desvios de verbas públicas. Assim como a psicoterapia capitalista (da atadura em torno do intelecto) também explica as distorções decorrentes, como a ineficiência dos atuais “administradores” públicos.
Em termos “terapêuticos”, portanto, as patologias emocionais – egoísmo, ambições e ódios desmedidos – recebem, no capitalismo, eufemismos genéricos (“livre” iniciativa ou “saudável” competitividade) que, tal como esparadrapos sobre os tumores, apenas ocultam as doenças, legitimam as falsas terapias, e estimulam as metástases e epidemias.
Em termos “religiosos”, os mesmos intelectos corrompidos, não obstante, demonstram uma fé absoluta na sua ética relativa – em função das oscilações das bolsas e dos bolsos – pois todos encontram de fato o bálsamo e o perdão (ainda que fugazes) na moral capitalista. Como quem outrora saía purificado da confissão católica, para continuar a pecar e a delinquir com a mesma “cara de missa”.
Personagens ficcionais
Curiosamente, no exercício de funções tão distintas – ora administrativas, ora delitivas – somente a psicologia dos maus atores pode explicar as idênticas feições embalsamadas dos criminosos liderados pela versão Michel Scissorhands (ou mãos de tesoura) tupiniquim. Entretanto, no seu caso pessoal, para além dos cortes assassinos nos orçamentos sociais, seus espasmos manuais são as únicas evidências exteriores das tensões e do caos interior de sua psique.
Em resumo, como gestores do capital, do mercado e da coisa pública, esses personagens teratológicos não são apenas malignos, nem apenas mentirosos. Pois todos eles – a começar pelos membros do Judiciário – de fato creem que merecem “percentuais” remuneratórios superiores aos destinados ao restante da população. Com efeito, eles são apenas loucos.
Assim, em termos de ‘imagens’ (por onde quase sempre termino), a “estética moral” do capital estimula-nos a todos a consumir, supérflua e compulsivamente. Mas antes determina quem pode, ou não, fazer parte do jogo. Não por acaso, vemos uma estreita simbiose com a “moral estética” da Rede Globo, cujas imagens igualmente fazem publicidade do mercado, representam a ética e a estética das elites, e recriam as figuras públicas mais adequadas a cada papel político.
Contudo, nem sempre o gigantesco monopólio consegue evitar que seus personagens reflitam a corrupção original da própria matriz. Quando percebe os equívocos, seus “padrões de qualidade” (e seus patrões sem qualidades) logo eliminam, exemplarmente, as aberrações que um dia também foram criadas como “exemplares” para toda a sociedade; do comportamento à política; de um Frota a um Zé Mayer; de um Collor a um Waack; de um Aécio a um Temer.
Mas insisto que, das ruas às urnas, tudo é temporário. E o povo não é bobo.
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