19 – SOB O PONTO DE VISTA DO SENSO COMUM

Por Wilson Solon.

O GOLPE

Sem perder o foco sobre os mecanismos mais adequados para sanear nossas angústias psicológicas, avancemos para o que já nos tortura também na matéria. Agora, sem confiar nem desconfiar das indignações protocolares ou das súbitas mudanças de posição da mídia, em relação à “corrupção” – uma obsessão muito maior da Rede Globo do que dos eleitores deste País.

Doravante, somente a consciência e a memória dos brasileiros são imprescindíveis (ainda que nos pareçam obsoletas, por falta de uso). Mas até o mais distraído dos espectadores já consegue ver com clareza a insustentável “leviandade do ser” de direita, à medida que analisa o que emerge do submundo do crime.

Refiro-me, sobretudo, ao curioso “efeito bumerangue”, ou às acusações lançadas contra a esquerda, que, além de improváveis (pela grande quantidade e baixa qualidade), sempre se voltam contra a própria direita. Mas vale refrescar nossa memória para o embrião da hecatombe moral que vivemos.

Arqueologia do descalabro

Os crimes e os vilões originais eram exclusividades do PT, a grande “organização criminosa”; o Lula era o supremo “chefe de quadrilha” e a Dilma, a arquiteta de hediondos “crimes de responsabilidade”. Pois bem, além de nada ter sido provado até hoje, o PT ainda é o maior partido do Brasil (e de esquerda, das Américas). E os ex-presidentes continuam a ser os políticos mais respeitados dentro e fora do país.

Recordemos ainda a suposta “caixa de Pandora” da corrupção: o famoso ‘caixa 2’ (tão badalado na mídia quanto as célebres ‘pedaladas’), mas hoje relegado ao mesmo território obscuro dos outros sofismas da direita. Assim como os “investigadores” oficiais – embora encarregados precisamente dessas obscuridades – já demonstraram sua “convicção” de que a entrada e saída de tais recursos, ou sua caracterização ou não como propina, seriam coisas praticamente “indecifráveis”.

Com efeito. E por razões evidentes: se o segredo sempre foi a alma de qualquer negócio, que dizer do ‘caixa 2’, que recebe dinheiro vivo, de difícil rastreio? Além disso, até recentemente, todos ainda ignorávamos se o seu “conteúdo padrão” caberia numa mochila ou num container (de fato destinado à exportação). Hoje sabemos mais – e temos áudios e vídeos – sobre quem envia, quando, por que, para quem, e quanto vale uma mala de propina. Ou uma reputação.

Em suma, já não é preciso ser um delegado de polícia, nem um roteirista de novelas, para conhecer os porões da alma humana. na erupção dos dados e índices da corrupção. O que ainda surpreende não são as discrepâncias entre a esquerda e a (centro ou ultra) direita, nem sequer os respectivos montantes, em si, mas sim o cancerígeno silêncio da “grande” imprensa brasileira.

Intriga que não se cotejem nem se divulguem as comparações entre os dois lados, e nos distintos níveis, segundo as estatísticas conhecidas: das doações e declarações oficiais ao TSE; das meras suspeitas aos indícios de caixa 2 sem contrapartidas; e das contrapartidas políticas e econômicas já apuradas. Não obstante, alguém ainda tem dúvidas de quem são os maiores beneficiários das propinas e, sobretudo, da manipulação das informações?

Respectivas radiografias materiais

No país da corrupção, ainda que revogadas todas as disposições em contrário (como os dados sigilosos e os “segredos” de justiça), somente o que já é de domínio público seria o bastante para que qualquer jornalista sem assunto comprovasse o óbvio estatístico: curiosamente, as provas da imundície da direita – sem divulgação na mídia – são proporcionais às covardes acusações sem provas contra os políticos da esquerda.

Ainda assim, feitas as respectivas assepsias, após o desmoronamento da “ponte para o futuro”, o tempo vem se encarregando de mostrar os dois lados: quem foi apenas enlameado pela Rede Globo (e sua ‘lama a jato’) e os que acabaram por ter o verniz arrancado da própria cara de pau. A questão pode ser resumida nos três principais “heróis políticos” do golpe – Cunha, Aécio e Temer – que hoje arrastaram seus veredictos (pelo menos morais) junto às respectivas malas de dinheiro.

Entretanto, os líderes da esquerda, cujas condenações foram previamente anunciadas, ou cujas reputações teriam sido calcinadas, por ironia, renascem qual Fênix das cinzas, à medida que lhes são retiradas as pesadas maquiagens televisivas. E também as acusações, ora pelos depoimentos de notáveis representantes do saber jurídico (nacional e internacional), ora pelo próprio Ministério Público e demais instâncias do Judiciário (conquanto “morosas” ou agilíssimas, segundo os seus interesses particulares).

Tampouco seria necessário esgotar a lista dos exemplos opostos (de Dilma, que não pedalou; de Lula, que não prevaricou; e de outras lideranças e gestores do PT – Lindbergh, Gleisi, Vaccari, Dirceu, Genoíno, etc.), que vêm obtendo, se não ainda vitórias contundentes, ao menos sucessivas confirmações da completa ausência de provas das desqualificações morais de que foram alvos.

Respectivas radiografias intelectuais

Também já são conhecidas as intenções e os métodos de ação dos golpistas reais; incluídas as torturas surreais dos inquisidores paralelos de Curitiba e Porto Alegre, onde de fato não se adotam os paradigmas jurídicos do mundo civilizado. Sigamos, porém, a ordem pedagógica natural, até chegarmos aos casos específicos desses modernos torquemadas e savonarolas de província.

Nos confrontos “ideológicos”, pela dimensão dos respectivos cérebros, mais oportuno é desmontar o sofisma mais utilizado pela direita, sobretudo como a autojustificativa favorita dos “centristas” desmascarados: ‘a esquerda usou igualmente o poder econômico para iludir os eleitores’. Pois reitero não haver números precisos sobre os recursos não contabilizados de campanha (nem sou um dos jornalistas caluniadores que deveriam se dedicar à tarefa de descobri-los).

Não obstante, assim como já se tornou redundante especular sobre qual facção ideológica disporia de mais capital – para defender os interesses do capitalismo – ainda podemos analisar outras imagens igualmente claras. Só o que já transbordou dos erários públicos para os bolsos privados (ou das caixas 2, 3, 4, 5… do Geddel) não deixa dúvidas quanto aos dois universos, senão para os analfabetos políticos e matemáticos.

Na prática, esquerda e direita se confundiram de fato, por alguns meios análogos de ação (a rigor, de doação), mas se distinguem, absolutamente, pelos ‘princípios’ e ‘fins’ adotados pelos verdadeiros defensores da sociedade. Os quais, no entanto, não se confundem com a “ética relativa” das fake news, .

Nesses tempos pós-verdades, pequenos delitos da esquerda são ampliados, pelas lentes da Globo, para que pareçam autênticas monstruosidades. Assim foram tratadas, por exemplo, as adoráveis senadoras que expulsaram os golpistas da mesa do Senado (durante a demolição da CLT), enquanto os crimes da direita – de lesa-pátria, ódios, discriminações, censuras culturais, destruições do meio-ambiente e expropriações do alheio – tornam-se invisíveis, para a cegueira seletiva da mídia e do Judiciário.

Recordo ainda, apesar da minha preguiçosa memória, a longa série de difamações a partir do primeiro caluniador (de um filho do Lula), que mais tarde seria reconhecido como um ‘executivo tucano do instituto FHC’, entre várias outras “matérias” não só do Grupo Globo e de suas TVs afiliadas, mas das demais seguidoras acríticas. Em suma, bastará uma rápida consulta à internet para que encontremos os dados satisfatórios para a nossa falta de memória.

O sequestro das mentes

Em relação à consciência, porém, uns como atores, outros como espectadores, tivemos que descer demasiados degraus em direção à escuridão total. Ou até os níveis quase insuportáveis (e outrora inimagináveis) de degradação mental. Muitos, de fato, ainda permanecem cegos, por ser este o seu estado natural. Mas repito: não deveria ser o caso dos “visionários” investigadores da corrupção – como os daltônicos ‘dallagnois’ do MPF, ou da PF (a serviço do PSDB).

Cada vez mais brasileiros, portanto, duvidam cada vez menos de que procuradores, delegados, juízes (e pastores) – da Lava Jato ao Supremo – dispunham de sinalizadores inequívocos dos maiores covis de corruptos. Mas optaram por tomar a direção oposta. Ou será que nenhum desses especialistas (e seus paparazzi da Globo) “sabia de nada do que o Lula deveria saber”?, como o próprio presidente já atirou na cara do Moro.

Seja como for, para o senso comum, só o susto é unanimidade, numa tragédia moral sem precedentes no mundo moderno. Os demais sentimentos obedecem a nuances e tempos próprios, para uma reação efetiva. Ou até o retorno da consciência ao seu estado absoluto. Afinal, falamos de golpes de estado no Brasil, onde tudo é relativo e nada é pequeno. Nem a própria pequenez.

Feliz ou infelizmente, tratamos de um mero eclipse coletivo da razão, ou de uma miopia passageira. Dissipadas as brumas, os observadores de imagens óbvias (que valem mais do que mil palavras) dificilmente se surpreenderão que somente a grande mídia, os partidos conservadores e a “justiça” continuem a fingir-se de mortos, em sua camaleônica sintonia com a parálise mental dos brasileiros, que eles mesmos provocaram.

Nessa guerra suja, de viés classista e fascista, só surpreenderia realmente se a esquerda (capitaneada pelo PT, como também é óbvio) continuasse passiva, como se corresse o mesmo risco de morte eleitoral que os defensores do capital. Para a esquerda, os “ativos” literalmente mais valiosos serão sempre as ruas e as organizações sociais, porque movidas por ideias mais sólidas e emoções mais solidárias do que as noções de justiça social da direita, que já começaremos a desmascarar.

No campo jurídico

Entretanto, nem a velha máxima – ‘a Justiça é cega’ – conseguiu escapar ao mencionado “efeito bumerangue” da direita. E tampouco evitar que a realidade a reduzisse ao seu sentido mais literal, primitivo e paradoxal: um jogo de cartas marcadas pela cegueira, ora tendenciosa, ora “morosa” (em mais de um sentido) de alguns juízes de direito. Ou dos juízos da direita, lato sensu.

E assim sentimos de fato os nauseantes miasmas que (embora nos entrassem pelas retinas) afinal exalaram do sintomático encontro privado entre dois “presidentes” mortos-vivos – da República e do STF – para consolidarem o processo que arrastou a ‘coisa pública’ para as mesmas profundezas morais onde já se encontravam os chamados “Vampiro” e a moribunda “Carminha da Globo” (sic).

Em imagens emblemáticas das respectivas usurpações, vimos o bandido comprovado (por áudios, vídeos e compras de voto, em rede nacional) ao lado da maior autoridade do Poder Judiciário (ao qual pagamos altíssimos salários para julgar também o anterior). Ambos, porém, ajoelharam-se diante da mesma Rede Nacional para acabarem de apunhalar, com suas omissões, duas vítimas ainda mais emblemáticas. Não por acaso, dois Presidentes eleitos, legítimos e honestos, como Dilma e Lula.

Com efeito, seria o “supremo” nonsense, ou talvez o fim do mundo, se não fosse também o princípio de outro. Portanto, nossos próximos pontos de vista serão o reverso desses atentados jurídico-midiáticos à democracia, cujos efetivos vilões já não parecem adotar qualquer código de honra, antes visível até mesmo entre os bandidos das novelas da Globo.

Premonições à parte, já se aproximam os tempos dos inevitáveis “acertos de contas” com o senso comum do povo brasileiro – em cifras, sentenças e imagens. Ou em votos, pelas brutais injustiças cometidas contra seus representantes eleitos.

 


 

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