Por Wilson Solon.
Nos depoimentos anteriores, fizemos os percursos histórico e geométrico do que se convencionou chamar de ‘esquerda’ e ‘direita’. A rigor, desvios políticos já seculares (ou desde a Revolução Francesa). Apenas nos faltou confirmar essas ilusões de ótica através dos efeitos produzidos sobre a psique humana, como o faremos agora.
Volto a recorrer, portanto, às três componentes “anatômicas” do espírito humano – razão, emoção e livre-arbítrio. Por ora, deixemos de lado este último (com sua capacidade de oscilar entre as decisões e as omissões), para nos fixarmos nas duas primeiras, vistas por todas as correntes de pensamento – políticas, ideológicas e religiosas – como capacidades paralelas (como os hemisférios cerebrais que as comandam).
Ainda sobre o que é unânime, todos podemos ver essas componentes em ação no mundo físico: ora em equilíbrio, ora como tendências (racionais ou emocionais) mais ou menos predominantes, segundo as características psíquicas de cada indivíduo. Na direção inversa, nunca se viu um ser humano desprovido da razão e de emoções (ainda que possamos duvidar desta premissa).
Também distinguimos a tendência predominante nos atos individuais; por exemplo, quando associamos as questões ideológicas ao intelecto e os atos de corrupção, predominantemente, aos distúrbios emocionais (dos meros desequilíbrios às efetivas compulsões). Na verdade, dissociar as convicções ideológicas das práticas corruptas equivaleria a desferir um golpe, no cérebro humano, que rompesse sua unidade nas respectivas metades.
Essa drástica separação (metafórica, é claro) talvez possa ser vista como uma solução literal, ironias à parte: pelos mais passionais, como uma justa vingança contra os corruptos; e pelos mais racionais, como um diagnóstico possível (embora equivocado, como confirmaremos) da corrupção.
Não entraremos em controvérsias prematuras sem retificar outros equívocos acadêmicos acerca das ideologias e das “terapias jurídicas” mais adequadas a cada desvio. E utilizaremos a controversa conclusão já explicitada (no depoimento anterior) como ponto de partida: “a direita corrompe como regra; a esquerda, como exceção”.
Mas antes de introduzir na equação as questões psicológicas (e os números que as comprovam), cabe explicitar os fundamentos dessas duas facções em que se dividem quase todos os membros de uma sociedade (exceto os que não se fundamentam em coisa alguma e apenas seguem a boiada).
Respectivas prioridades
Para que as falsas convenções e condicionamentos históricos não voltem a nos confundir, deixemos de lado por enquanto os rótulos ideológicos. E consideremos somente os consensos em torno das definições econômicas, ainda que não sejam conscientes a priori, ou possam provocar todos os dissensos conhecidos, num segundo momento.
Seja como for, já podemos identificar: de um lado, os espíritos que adotam por ‘princípio’ o homem e, por ‘fim’, o bem-estar social; do lado oposto, os cidadãos que veem o capital como ‘princípio’ e ‘fim’, na relação com os demais – por meio do mercado.
Recordemos ainda os conceitos “absolutos”, em tese, que determinam as respectivas prioridades práticas: a “sanidade” e a “dignidade”, para os defensores do ser humano; a “ambição”, inerente ao sujeito, e a “fortuna”, como objeto final, para os adeptos do capital.
Estes últimos, no entanto, justificarão que a riqueza em si já asseguraria a todos uma vida saudável e digna; e os primeiros continuarão a afirmar que, para alcançá-la, o indivíduo não precisaria sequer enriquecer. Assim andaríamos em círculos até a eternidade, como cães furiosos atrás do próprio rabo (ou como certos políticos, nos corredores do Congresso Nacional).
Na melhor das hipóteses, os capitalistas convencerão a si mesmos, e aos demais incautos, que as duas prioridades não são excludentes. Equivocam-se duas vezes: pela razão, porque subvertem o próprio conceito de ‘prioridade’ (etimologicamente, o que vem primeiro); e pelo emocional, porque sequer percebem o próprio conflito interior (e muito menos as suas causas), senão quando veem frustradas, no meio exterior, as suas expectativas desvairadas.
Mais além da razão ou das emoções, eliminemos as subjetividades das discussões, recorrendo ao conceito absoluto antes utilizado no contexto ideológico e agora, no psicológico: o ‘ponto de equilíbrio’ (tanto para a Física quanto para a Ética). A Natureza já o estabeleceu, prévia e sabiamente, assim como nos permite perceber a sua manutenção ou a sua perda: nos corpos mais ou menos enfermos; nos espíritos ora ignorantes ora egoístas; e nas respectivas relações com os demais.
Faltou apenas sublinhar a óbvia relação entre o livre-arbítrio e o conceito de ‘prioridade’: quando fazemos qualquer escolha, já temos uma prioridade; portanto (em que pese a redundância), as demais são colocadas em segundo plano.
Contudo, nas escolhas políticas, quando adotamos o ser humano como prioridade, de fato não precisamos renunciar ao capital, como objeto secundário. Por outro lado, se adotamos o capital como prioritário para a felicidade humana, no mesmo ato, empurramos o homem, necessariamente, para um plano secundário.
Opções conciliáveis e excludentes
Nesta segunda escolha, nem sempre temos consciência do paradoxo moral (para um membro da espécie). Ou apenas procuramos iludir a consciência, para nos sentirmos autorizados a adotar todos os procedimentos subsequentes dessa opção perfeitamente desumana. Eis a gênese, os mecanismos e a essência filosófica do capitalismo.
Alguns neo-sofistas lembrarão que a ‘não escolha’ é também uma prerrogativa do livre-arbítrio, embora esqueçam que a omissão corresponde à autorização implícita para que alguém, ou alguma entidade (política, religiosa, midiática) venha a fazer escolhas por nós, e por todos os omissos.
Agora sim, didaticamente, temos os elementos para revisitar as questões ideológicas, já imunes às polêmicas emocionais. E para avançar em direção aos conceitos socioeconômicos, sem os equívocos intelectuais reproduzidos pelos sofismas políticos de todos os tempos.
Em resumo, por definição e convenção, as chamadas esquerdas têm, conscientemente, o “capital humano” (intelectual e emocional) como prioridade absoluta; a direita, inconsciente mas obviamente, sempre priorizará “o homem com capital”, ainda que relativizem sua fórmula mágica como “desejável para todos os homens”. Mais um sofisma.
Comecemos a desmontá-lo no plano ideológico (anterior aos ‘meios’ econômicos) e a partir das próprias linguagens humanas, que já estabeleceram definições precisas, em função de onde cada indivíduo coloque o seu referencial prioritário: se nos anseios do próprio ego – tecnicamente, o egoísmo – ou nas necessidades do outro – literalmente, o altruísmo.
Antes mesmo de cotejarmos estes conceitos psíquicos – naturais e universais – com os respectivos ‘princípios’ da esquerda e da direita, já parece evidente que todo homem possui um ego, mas nem sempre algum capital. Passemos às demais exceções.
Regras e exceções
O homem, como conceito, inclui, necessariamente, todos os membros da espécie (masculinos e femininos); logo, ninguém será excluído, como ‘princípio’ ideológico – nem os egoístas nem os altruístas (nem os indiferentes). Assim, um homem altruísta de esquerda constitui uma regra coerente (quando não um pleonasmo).
Já um homem egoísta de esquerda é um “intelectual” confuso, ou um ignorante de si mesmo; portanto, uma exceção à regra (como um Palocci, ou um Delcídio, se é que algum dia foram de esquerda), mas estatisticamente identificável como uma minoria esquizofrênica.
O capital, como conceito, já exclui a todos os que não o possuem; e como ‘princípio’ ideológico, tampouco inclui ninguém que o despreze ou não o ambicione (para além de suas genuínas necessidades básicas).
Assim, um homem altruísta de direita é outra exceção, ou mais um confuso intelectual. Porém, um egoísta de direita é perfeitamente coerente com suas prioridades acumulativas e com a própria regra; além de identificável pelas estatísticas como a ampla maioria de seu espectro ideológico – dos chamados “centristas” aos neofascistas.
A direita contra-argumentaria, “racionalmente”, que seres humanos possuidores de um ego tendem a ser egoístas, pela própria natureza. Portanto, emocionalmente, todos possuiriam um desejo “natural” de acumular capital, ao longo do processo civilizatório.
Convenções incoerentes
Sabemos que os capitalistas são bastante flexíveis ao medir os demais com a própria régua (ou não, quando não lhes convém). Entretanto, seus frágeis argumentos pessoais se converteram na justificativa e na “necessidade”, segundo eles, de se estabelecer novas regras intelectuais (ou ideológicas) – para todos – num jogo acumulativo do qual participam cada vez menos cidadãos.
Mas antes de analisar o mérito de qualquer regra econômica, convém identificar a precedência de cada componente – racional e emocional – no próprio comportamento, em função do que seria de fato “natural”, ou não. Na teoria, a ‘sanidade’ e a ‘dignidade’ humanas seriam desejáveis para todos, da esquerda à direita. Na prática, sabemos que muitos se limitam a adotá-las, na melhor das hipóteses, apenas como discursos teóricos.
Na impossibilidade de quantificar ou de reconhecer com clareza os sinceros e os hipócritas de cada lado, saliento o óbvio: qualquer motivação (emocional) do homem – por si mesmo, pelo outro, ou pelo capital – sempre precederá, naturalmente, as opções econômicas (racionais). Estas são necessariamente posteriores: o ser humano sente, em primeiro lugar, e só então escolherá alguma doutrina que explique, confunda, seja compatível ou incompatível com seus sentimentos.
Seja como for, todos sentimos e sabemos que, em última análise, somente uma minoria da população pode se dar ao luxo de analisar ou sequer de conhecer, através da razão, os discursos e os representantes, quer da direita, quer da esquerda. A ignorância é, portanto, o fruto mais visível das carências educacionais dos mais pobres – de espírito.
Por conseguinte, os seres ignorantes (de todas as classes) são o combustível do mecanismo capitalista que, paradoxalmente, pretende “suprir” a ignorância social com discursos pseudo-morais. Assim contribuem não só para agravar, mas para perpetuar o círculo vicioso; ora através das manipulações midiáticas em geral, ora de suas excrescências particulares – as “escolas sem partido” e outros “partidos sem escola” (como a Lava Jato, as igrejas fundamentalistas, os MBLs e congêneres, cujos patrocinadores exteriores também já são conhecidos).
Obviamente, a ‘ignorância’ generalizada constitui a premissa adicional com que prosseguiremos a investigação das falsas teorias que se pretendem universais. E das incoerências psíquicas que desmascaram, na prática, as grandes fraudes “universais”: o capitalismo, em si mesmo; as mais ou menos dissimuladas censuras ao pensamento e às artes; e a maior porta-voz de tudo isso, no Brasil – a Rede Globo de Televisão.
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