Por Wilson Solon.
Já falamos dos dois ciclos psíquicos paralelos da corrupção: o emocional (da mera ambição à compulsão pelo capital) e o (ir)racional, que busca justificativas “ideológicas” para o próprio comportamento corrupto (na prática, sofismas capitalistas e midiáticos).
Faltou apenas sublinhar o que é tão evidente para uns quanto invisível para outros: ainda há uma imensa maioria de cidadãos que não está enferma; embora muitos (por ignorância ou alguma carência emocional) possam votar em candidatos da direita, sucumbir às tentações do capitalismo, ou deixar-se manipular pela televisão.
Razões políticas
Analogamente, os representantes da direita (do centro ao fascismo), ainda que vençam todas as eleições, aqui ou no resto do mundo, jamais representariam a maioria das populações. Mas vale ressalvar: caso fosse possível ignorar, ou não contabilizar nessa maioria, os eleitores manipulados. Ou evitar as manipulações.
A mais corrosiva delas – a mentira (em sua fórmula genérica) – serve de matéria-prima para todas as armas da direita, nas dosagens determinadas pelos distintos fins – as propagandas midiáticas, os discursos políticos, os planos econômicos, as sentenças jurídicas, as intervenções militares, etc.
Entretanto, quando todas as modalidades de relativização da razão fracassam, as mentiras são atiradas contra os inimigos em estado bruto – caluniosas, injuriosas, difamatórias. Na prática, nem é preciso sublinhar quem se tornou o arqui-inimigo público da nossa direita, nem as motivações evidentes para mantê-lo sequestrado e sob artilharia pesada.
Sabemos que esses loucos o fazem por razões idênticas – embora pelas motivações opostas – às do público não enfermo (e muito mais numeroso), que há décadas mantém o Lula como o seu maior líder democrático. Curiosamente, porém, nunca ouvimos dos capitalistas, nem da Globo, suas respectivas versões para esse fenômeno de popularidade.
Por outro lado, já vimos que o açodado juízo dos detratores – “o Lula é o maior dos corruptos” – não tardou a desmoronar-se pelo próprio desequilíbrio original entre a razão e as emoções, vale dizer, pela falta de provas e excesso de ódios. Como se os acusadores vazassem os próprios olhos e, paradoxalmente, seguissem confiantes numa cegueira eterna do povo.
Outras perspectivas investigatórias
Prossigamos também por um caminho menos dependente de provas e mais das evidências visuais. Mas talvez ainda não esteja evidente por que o adversário imbatível seria alvo, inevitavelmente, da arma mais letal da direita. Com efeito, entre as várias articulações da mentira, nenhuma revelou coincidências e timings operacionais mais surpreendentes do que a parceria jurídico-midiática.
Para os apenas ingênuos, essa inofensiva sintonia bastaria para condenar o Lula (ou antes a Dilma) com argumentos idôneos. Os mais vulneráveis ao ódio, porém, fornecem os primeiros indícios de um mecanismo de projeção inconsciente: “os meus inimigos ‘certamente’ escondem alguma corrupção análoga à que eu procuro esconder”. Para a Psicologia, portanto, há evidências suficientes de uma fraude montada e apoiada por efetivos psicóticos.
Em outras palavras, as projeções ocorrem (mais ou menos conscientes) com todos os desviantes do foco – desde um “pequeno” até um grande corrupto. E entre estes extremos se encontram, por exemplo, os “juízes ideológicos”, cujos delitos não se reduzem à vulgaridade dos roubos (e não raro, tampouco das provas) visíveis na matéria. Suas fantasias de consumo e volúpias messiânicas em geral os mantêm apenas no plano mais elegante do sadismo persecutório.
Mas vou além. Nesses tempos insanos de proliferação dos moralistas e, ao mesmo tempo, de banalização da moral, já nem sequer nos surpreende que algum novo político seja acusado de corrupção (talvez nem a ele próprio). Como tampouco parece comover a mais ninguém que tenhamos “governantes” pilhados em flagrantes e sucessivos atos delituosos.
A rigor, nem mesmo sabemos em que momento perdemos as reações emocionais, e talvez um pouco da própria compostura. Não obstante, após uma breve anatomia do intercâmbio (eventualmente doentio) entre a razão e as emoções, identificaremos com clareza esse ponto de inflexão. No qual encontraremos também as chaves das manipulações mentais literalmente “visíveis”. Mas antes, chamo a atenção para o invisível.
O divórcio entre o intelecto e a emoção
Equivoca-se quem pensa que o golpe se consumou com o impeachment de Dilma, ou com alguma sentença condenatória do Lula (passada ou futura). Estes são apenas os aspectos racionais do plano urdido e renomeado segundo as idiossincrasias das várias facções criminosas associadas – “estancar a sangria”, “ponte para o futuro” (deles), “projeto powerpoint”, “operação lava-jato”, etc.
Sublinho, portanto, o que permanece invisível: via de regra, não há emoções em jogo; exceto, é claro, nos golpeados (o povo, o PT e aliados, as esquerdas em geral). Com efeito, para o êxito dos crimes em questão, a despeito do paradoxo aparente, todas as emoções deveriam aproximar-se de uma ausência absoluta de sentimentos reais: da euforia fake dos coxinhas, nas ruas, à dos corruptos, no Congresso Nacional.
Não por acaso, os grotescos espetáculos foram patrocinados, manipulados e exaustivamente divulgados pela Globo, para que tudo parecesse o contrário do ridículo e do patético; e para que o caos aparente não denunciasse os verdadeiros criminosos. E muito menos o vazio emocional como o denominador comum a todos eles.
Contudo, no extremo oposto – da rica palheta de comportamentos da direita – já vimos também a apatia ou a frieza, igualmente absolutas, dos políticos e dos membros do Judiciário; assim como a indiferença de numerosos espectadores de direita. Nas hostes golpistas, portanto, insisto na completa e necessária anulação da emoção e da empatia pelo ser humano.
Na melhor das hipóteses, restou algum frisson passageiro (análogo ao dos toxicômanos) com as fake news – “acharam uma conta da Dilma e do Lula no exterior!” – ou seja, excitações tão fugazes como as ejaculações precoces de procuradores ensandecidos e demais evangélicos fanáticos (como o daltônico Dallagnol), ou dos fascistas em geral, diante de alguns “veredictos” do Legislativo ou do Judiciário.
No entanto, para a execução das fraudes “racionais” (já mencionadas, ou que ainda virão, até que fracassem todas), o bloqueio da consciência torna-se uma “opção” necessária para os delinquentes. Mas, obviamente, qualquer “opção” pelo desequilíbrio psíquico já deixa de sê-lo, no mesmo ato. Assim, os inconscientes passam a ser regidos pelas ‘leis naturais’, que tendem a preencher os vazios (físicos ou mentais) para restabelecer o equilíbrio perdido. Às vezes tarda, mas nunca falha.
Por isso reitero a impossibilidade de se reprimir os abalos emocionais indefinidamente. Não raro, vemos que as marés da “sorte” retornam incontroláveis, como são de fato os tsunamis da direita, que ora arrastam e expõem os escombros da própria corrupção mental, ora provocam novos ataques desesperados ou odiosos.
Entretanto, sabemos que os ódios na verdade representam o grau máximo de vazio – pela ausência de inteligência e de amor. No capitalismo, por ironia, este ciclo psicopatológico, embora “teórico”, apresenta as próprias comprovações estatísticas. A começar pelas volumosas cifras e provas que até hoje não atingiram, nas mesmas proporções, as defesas morais mais sólidas da esquerda (ou dos seus representantes autênticos).
O ponto de ruptura psíquica
Voltamos assim ao ponto de inflexão, há pouco deixado em aberto, em que o dilema racional da direita – entre perder ou mentir (ou aceitar as mentiras) – resultou no rompimento da última barreira ética dos golpistas até então enrustidos.
Analogamente, no plano coletivo, o momento exato – embora relativo para cada consciência individual – correspondeu às adesões conscientes ou inconscientes ao coro acusatório contra o ex-presidente Lula. Nem um pouco antes, no golpe contra Dilma, nem depois, nos veredictos provincianos de Curitiba e Porto Alegre.
Tudo isso, repito, são aspectos racionais e operacionais (com mais ou menos histeria ou frieza) de um plano “global”. No momento do impeachment, a propósito, convém localizar com mais precisão os personagens e os figurantes em cena.
Por trás do genuíno desespero da esquerda, ou da euforia dos loucos, a direita na verdade já apodrecia em praça pública. E expunha sua divisão: de um lado, os enfermos inconscientes; de outro, os que já revelavam seus primeiros dramas de consciência. Sintomaticamente, Dilma foi poupada do estigma de corrupta e “autorizada” a manter seus direitos políticos como um prêmio de consolação (a rigor, para as próprias consciências culpadas).
Por outro lado, em sua agonia moral, a direita havia atingido o limite autorizado aos próprios remorsos – subconscientes, expostos ou recém-“consolados”. Uma vez eliminadas a legalidade e a moralidade, acabaram-se as meias-verdades, as pedaladas sofísticas e as manobras midiáticas mais tímidas: doravante, Lula já não poderia ser poupado das mentiras em estado bruto.
Afinal, os algozes tinham deixado cair as últimas máscaras que até então (no igualmente fraudulento “mensalão” do PT) apenas dissimulavam sua covardia. Ou ainda simulavam algum pudor e respeito pela opinião pública e pelo admirável legado do maior governante de nossa história.
Projeções do “lulismo global”
Antes do “réu” achincalhado em cena aberta, falo da entidade nacional: através da qual pelo menos 40 milhões de pessoas revelaram os padrões de ascensão social nunca antes vistos, em nenhuma democracia moderna, no mesmo período de governo. Como poderia falar de qualquer outro indicador econômico positivo, em números relativos ou absolutos (todos disponíveis na internet).
Não fosse o bastante, o hipotético “corrupto” é também o político cujas “vidas” (pessoal, familiar, bancária e fiscal) são as mais públicas e investigadas da História. Não obstante, sem uma única prova, Lula foi acusado por uma aliança – entre uma concessionária pública de televisão e o mercado “privado” (com legislativo e judiciário próprios) – já corrompida nas suas origens.
Mais do que de um drama pessoal, portanto, falamos de milhões de seres que sofrem de vergonha alheia, pelos espetáculos de hipocrisia. E pela tragédia épica de um país que perdeu a própria vergonha, por tentar dobrar com calúnias o único líder – da esquerda à extrema direita – que se manteve vivo por mais de três décadas, na política, na vida e na alma dos brasileiros. Precisamente por ter conservado a espinha ereta.
Na realidade, tratamos de uma diarreia moral, nacional e “global” sem precedentes. Isto posto, podemos voltar aos indivíduos por trás das câmeras, ou seja, nos bastidores onde a consciência atua (ou não, temporariamente). Pelo referido mecanismo da ‘projeção’, não terá sido por acaso que fossem “projetadas”, sobre o ponto de resistência máxima do Lula, as duas armas mais emblemáticas da direita: a calúnia e a corrupção – própria.
Felizmente, como também ocorre na Física, ou nas nações civilizadas sob ataques traiçoeiros (dos genocídios com armas químicas ao terrorismo em geral), haverá sempre reações morais na direção contrária. Em última análise, eis o que conseguem os “estrategistas” das destruições, com seus impulsos primitivos: voltar o ódio e o repúdio contra si mesmos.
No Brasil, ainda que os “ideólogos” da barbárie social consigam extrair algum proveito do seu “terrorismo do capital”, as calúnias e imagens mentirosas às vezes também percorrem caminhos inusitados: ora simplesmente se desfazem “no ar”, pela própria inconsistência, ora se convertem em petardos morais contra os próprios acusadores (o que costumo chamar de “efeito bumerangue” da direita).
Os exemplos são tantos que nem precisamos entrar no mérito dessas acusações levianas. E muito menos neste país surrealista, onde a falta de provas contra a esquerda só é comparável ao excesso de imagens contra a direita – a despeito de todas as “razões” da Globo para escondê-las. E sublinho que nossas câmeras ainda não registraram sequer os aspectos emocionais, na psicologia dos corruptos.
Até que o façamos, será suficiente terminar pelas mesmas antíteses fotográficas do depoimento anterior, que também representam a síntese deste ponto de vista – predominantemente racional – da corrupção: a nulidade provinciana do Temer e a grandeza planetária do Lula.
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