Por Wilson Solon.

Não há o que comemorar ou sequer comentar no triunfo da barbárie e do sofrimento, é verdade. Nem há que se esperar, por ignorância ou alienação, nada de edificante das mentiras, ou do que se apresenta como um louvor fanático às destruições sem limites possíveis, das florestas às almas.
Mas tampouco há o que temer no que já representa igualmente uma autodestruição anunciada, pela podridão “intestina” das próprias hordas de loucos e fanáticos. Há somente que ter estômago forte, no sentido metafórico, para alguns, mas literal, para os novos famintos.
Porém, a dor mais profunda e duradoura produzida pela violência não é sequer a sofrida pelas vítimas e por seus entes queridos, nem pelos seres compassivos e solidários, senão aquela arrastada pelo próprio espírito violento. E sobretudo no momento em que recobra a consciência de seus atos insanos e egoístas. Assim determina a natureza psíquica e humana, para bons e maus, indistintamente.
Não por acaso, os fascistas adiam ao máximo este doloroso reencontro, e assim se tornam, cada vez mais, despudoradamente violentos. Não raro, uma vida inteira será insuficiente até que retornem (literalmente, para os espiritualistas) à condição humana. Cuja dignidade foi perdida, por ironia, na mesma medida em que pensavam poder exterminar ou apossar-se do alheio. No extremo oposto, curiosamente, outros ainda acreditam que jamais serão despojados do que é indestrutível e imortal, como a dignidade.
Seja como for, mesmo para quem não crê na imortalidade, ainda assim, se de fato nos pretendemos conscientes, no presente, e queremos a paz, na matéria, convém lutar contra os violentos em nome da integridade humana – de uma única vida, de várias vidas, ou da humanidade como conceito. Pois ao contrário da fé e da fome, que só parecem existir para quem as sente, a democracia e a paz se desfazem naturalmente em si mesmas, quando não valem para todos. E o resto será a guerra…
No Brasil, portanto, um ‘feliz ano novo’ encerra ao menos dois desejos antagônicos (e inéditos, em sua relatividade): que seja tão curto e tão infeliz quanto determine a natureza, para que cada brasileiro, pobre ou rico, retome a lucidez acerca da violação de sua cidadania. Na pior das hipóteses, já será um ano feliz para quem não teme as lutas dignas, nem arrasta nenhuma dor na consciência, pela cumplicidade com esse retorno inimaginável do ‘mal absoluto’ – vale dizer, em Estado bruto.
#LulaLivre!