29 – SOB OS PONTOS DE VISTA DE “UNS” E OUTROS

Por Wilson Solon.  

O GOLPEConhecidas as causas e carências históricas que ensejaram a ocupação do nosso território pela Rede Globo, passemos às consequências, que comprovam a premissa de que se trata de um monopólio a serviço dos EUA. Nosso insuspeito ponto de partida é fornecido pela própria emissora, na última de suas campanhas de autopropaganda enganosa: os “100.000.000 de uns” (sic) que a assistem.

Como de hábito, reposicionemos nossas câmeras para registrar não só o que a fábrica de ilusões quer que seja visto, mas também o que pretende esconder: se metade da segunda maior população do Ocidente assiste a Globo diariamente, ela mesma já deixa explícito seu monopólio, embora não explique o que acontece com os outros cem milhões. Pois tratemos de investigar.

Será que metade do Brasil assiste a outra emissora? Imaginamos que não, já que nenhuma se vangloria por uma ínfima parcela dessa audiência (o que de novo corrobora a nossa premissa). “Assistir”, a propósito, equivaleria a quantas horas nessa atividade? Alguém foi informado (através de alguma pesquisa?) que basta passar os olhos ao menos uma vez por dia? E ainda que somemos todos os desprovidos de trabalho, de qualquer outra ocupação, ou de cérebro, chega-se a essa cifra astronômica?

Analisemos as hipóteses mais otimistas: sim, todos esses assistem a Globo por algumas horas, ou por alguns minutos. E mais uma vez concluímos (face ao pleonasmo) que de fato não há outra opção para os telespectadores de um monopólio de televisão. Não obstante, os orgulhosos autodivulgadores da campanha (e seus artistas igualmente monopolizados) também nos permitem outras leituras.

Com efeito, entre espectadores voluntários, fidelizados, acríticos, idiotizados, ou apenas eventuais (como este que vos fala, admito), ainda parece extraordinário que metade dos brasileiros veja a Globo. Por outro lado, os demais cem milhões – que não a assistem nunca – representam um fracasso ainda mais retumbante, para um monopólio de comunicação que se pretende porta-voz de toda a nação.

Lapsos e vexames como este já se tornaram a regra dita “global” (ainda que visível só pela metade). Seja como for, resta-nos o alento de que o quadro já não pode ficar pior (ou melhor, em função de como se veja a outra metade). O certo é que – tal como na Teoria da Evolução – as audiências tendem a diminuir, pelas diversas razões que analisamos.

A mais evidente seria o crescimento das mídias alternativas, embora ninguém duvide que um monopólio sempre buscará meios legais (ou ilegais, as fronteiras são tênues, na justiça dos tempos que correm) para lançar seus tentáculos sobre os “desassistidos”. Entretanto, nem a própria Globo sabe mais quem seriam eles. A rigor, ninguém veria com nitidez o perfil dos que a assistem, ou não. Nem se cada uma dessas “metades” o faz por opção, ou pela falta de outra.

O começo do fim

Eis o nosso ponto de partida e, ao mesmo tempo, o de chegada: as provas da existência de um monopólio, analisadas sob outros pontos de vista, também revelam os sinais de decadência dos grandes impérios. A História já se encarregou de mostrar (e este observador procurou sintetizar) os processos de manipulação das mentes utilizados pelos impérios nacionais e religiosos, ao longo de períodos mais ou menos duradouros, entre sua ascensão e a queda.

Não por acaso, o mais emblemático dos monopólios da mente – o cristianismo – foi utilizado, concomitantemente, por inúmeras nações e igrejas, incluídos os casos já estudados em sua simbiose mútua – o Império Romano e a Igreja Católica. Embora fossem duas entidades políticas distintas e independentes, poderíamos considerá-las, em termos econômicos modernos, como a mais poderosa joint venture da história humana (o que explica ter sido também a mais duradoura).

Entretanto, nada impediu que o primeiro perecesse, após uma lenta agonia de vários séculos (na última fase, sob a sintomática alcunha de “Sacro” Império Romano-Germânico); nem que a segunda se reduzisse à dimensão física da cidade-estado do Vaticano; e afinal se visse obrigada a dividir seu poder “espiritual” com um sem-número de análogos “manipuladores do cristo” (como os fundamentalistas evangélicos) mais obscurantistas e incomparavelmente mais obscuros do que a própria Igreja.

Da mesma forma, o monopólio sucessor – o capitalismo – já vem prestando seus notórios desserviços a incontáveis nações (antes prósperas) que o adotaram sem ressalvas; e cujas vítimas nacionais poderiam dar depoimentos mais consistentes do que este, de um residente eventual (mas observador in loco dos estragos produzidos pelo neoliberalismo europeu, por exemplo, em Portugal e Espanha).

Contudo, também nestas análises, cabe relativizar os silogismos absolutos, que não raro prometem combater os monopólios mentais porque simplesmente invejam seu poder; quando não se servem dos mesmos métodos utilizados pelos 3C’s que investigamos – o Cristianismo, o Capitalismo e a Cinematografia.

Se já conhecemos algumas obscuridades dos maiores monopólios da História, convém considerar igualmente o outro lado dessas histórias – como os bons cristãos, os benefícios reais do capital, ou os filmes edificantes – mas sem ignorar as fraudes menos visíveis, na operação e nos próprios operadores de todos os projetos humanos.

Nos mais ambiciosos, via de ‘regra’, esta acaba por se tornar a exceção – e vice-versa. Uma vez mais, em termos econômicos, falo do ‘custo-benefício’ e dos danos irreparáveis – sociais, ecológicos, culturais e morais – para que meia-dúzia de “eleitos” permaneça imune, entre a imensa maioria de contaminados da espécie humana – pela alienação cristã, pela miséria capitalista e pela manipulação das imagens.

Não obstante, na própria sede administrativa e ideológica do capitalismo, todos já podemos ver os primeiros sinais de decadência (embora ainda insuficientes para profetizar os prazos da falência) do modelo econômico do “Império Americano”. Seja como for, as evidências são tão claras, para alguns, quanto enganadoras, para outros. Literalmente, como as ‘imagens’ que nos invadem as retinas.

Não me refiro apenas ao lixo produzido pelo monopólio cinematográfico dos EUA e aqui reproduzido pela Rede Globo. Além das exceções, já reconhecidas como benefícios raros (e caros, pelo custo das regras), também os impérios e os monopólios das mentes são obras de seres humanos. Ainda que diante dos fracassos e prejuízos, eles insistam em atribuir as obras e os danos à “vontade de Deus”.

Refiro-me, portanto, aos mesmos homens, ora eleitores, ora “os eleitos” para conduzir a manada humana, através de “processos democráticos” distintos. Resumo agora essas distinções mais ou menos visíveis: das históricas (já analisadas), aos destinos futuros (ou ainda por observar), entre o que fora – de fato e de Direito – o Império do Brasil e o assim chamado “Império Americano”.

Uns e outros

A nossa decadência continua a ser visível. Contudo, na medida inversa da que atinge também a eles, embora os “visionários” capitalistas (de lá e de cá) se recusem a admitir essa débâcle inevitável. Vamos às imagens que não permitem controvérsias, quanto à forma: no Brasil, a miséria sugere uma regra, material e mental, para o povo; nos Estados Unidos, parece ser a exceção.

Quanto aos conteúdos das mesmas imagens, porém, as conclusões são o inverso das aparências. Tomemos como premissa – consensual – os recentes e cada vez mais frequentes solavancos do capitalismo: para os seus adoradores, apenas mais uma crise passageira; para os críticos, o efetivo prenúncio de sua decadência.

No plano econômico, já temos a primeira conclusão indesmentível: ao longo do último século, adotamos o capitalismo sem peias, fomos tutelados pelos dogmas do capital e manipulados pelo Grupo Globo. Diante do completo fiasco, parece que nem tudo que é bom para os Estados Unidos foi necessariamente bom para o Brasil. Seja como for, as crenças da direita já se revelaram um equívoco evidente.

Mas comparemos as respectivas “virtudes democráticas”, no campo político, diante das recentes crises econômicas: em pleno uso e gozo de sua “consciência política” e “liberdades” seculares, eles afinal elegeram um Trump, cujas psicopatias e egotrip dispensam maiores considerações; nós, ainda distantes de uma autêntica democracia, escolhemos, enquanto foi possível, quatro governos sucessivos do PT, cujos indicadores sociais (da economia aos direitos humanos) tampouco exigem comparações com o que nos foi imposto durante todo o século anterior.

Recentemente, nossos representantes “democráticos” do capital financeiro, uma vez insatisfeitos (por razões justas ou injustas que não vêm ao caso), aliaram-se às forças “diplomáticas” e econômicas dos Estados Unidos (e a um tosco juiz assumidamente americanófilo) para liberar não apenas a nação das garras da esquerda, mas também as nossas riquezas, para os sócios norte-americanos (numa obscena demonstração de gratidão pelo golpe).

Na nova “ordem” democrática, já nem é preciso destacar o papel da Rede Globo, e somente do mais recente de seus “eleitos” – o minúsculo Michel Temer – cujo “valor de mercado” (até há pouco legitimado, ou não, pelo conflituoso exercício do voto popular), hoje é estabelecido por um extraordinário consenso das nossas chamadas “elites”.

No entanto, para além do divórcio entre esta e a imensa maioria da população (mútuo e de fato consensual), permanecem inúmeras controvérsias quanto aos componentes reais dessa elite (coxinhas de classe média, por exemplo, se acreditam parte dela). Mais uma vez, o contrário do que ocorre nos Estados Unidos. Mas há outras distinções ainda mais visíveis entre os dois países, que emergem do campo social.

As etnias e os abismos sociais

Lá, além dos já mencionados efeitos da “pura” maioria cristã, também as principais componentes raciais apresentam índices desconcertantes: 70% dos estadunidenses são brancos – anglo-saxônicos – e pouco mais de 12% são negros, cerca do mesmo percentual dos latinos. Mas se cabe alguma ironia, ainda que nesta segunda minoria a maioria seja igualmente branca, todos são vistos como “outra raça” – a dos hispânicos.

Aqui, mais da metade da população (54%) são negros, ou pardos. Dito isto, não precisamos sequer das estatísticas socioeconômicas para evidenciar as hediondas exclusões do “nosso” capitalismo, em relação ao “deles”. Mas vale destacar outro fato irônico: segundo os padrões culturais dos anglo-saxônicos – tão invejados pela elite tupiniquim – também os nossos brancos são vistos, genericamente, como “hispânicos”.

Será o suficiente para as últimas conclusões teóricas (do próximo e penúltimo ponto de vista). Desde já, quaisquer que sejam os padrões – religiosos, econômicos, raciais ou políticos – que definam os membros das nossas classes privilegiadas, na prática só seria possível afirmar que todos eles – quer pela quantidade, quer pela qualidade – são efetivamente desprezíveis.

Por conseguinte, qualquer modelo adotado por brasileiros esquizofrênicos, para exercer aqui um monopólio alienígena (seja do capital internacional, seja de imagens “globais”), estará condenado ao mesmo fracasso que amargamos hoje. E o povo não pode ser culpado de nada. Não por acaso, ele ainda aguarda em silêncio pelo cansaço dos loucos, que falam em nome das nossas genuínas pluralidades e diversidades.

Entretanto, como uma das componentes da esquizofrenia nacional é a já diagnosticada miopia das elites, voltaremos, como de hábito, às provas visuais oferecidas pela própria Rede Globo; e aos políticos “eleitos” por seus critérios talvez genuínos; como o seriam também para um número ainda considerável de cidadãos das Américas – conquanto somente para os habitantes, os protegidos e os bajuladores da “civilização” do norte.

 


 

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