28 – SOB O PONTO DE VISTA DE UM MONOPÓLIO GLOBAL

Por Wilson Solon.  

O GOLPEComo os termos “imperialismo” e “monopólio” às vezes se confundem, falo agora das sutilezas nos respectivos conteúdos. Ao menos da forma como os utilizo nesta série. Convém cotejá-los, portanto, com os três exemplos emblemáticos do que chamamos genericamente de “impérios” – o Romano, o Norte-Americano e a Rede Globo – pela forma como exercem as respectivas hegemonias.

Antes, penso estar claro que um cineasta que renunciou às próprias imagens não pretenderia exercer aqui o ‘monopólio’ da verdade. Não obstante, sempre que considerar oportuno e proveitoso, continuarei a compartilhar minhas “visões” dos descalabros que assombram as mentes e as retinas dos brasileiros.

Começo por resumir as regras gerais e algumas exceções relevantes acerca dos monopólios: o ‘cristianismo’ o foi, apesar de haver outras “fés”, e suas variantes; o ‘capitalismo’ o é, embora várias nações detenham seus “capitais”; e a ‘cinematografia’ sempre o será, por definição, ainda que distintos veículos possam registrar, produzir ou transmitir imagens – as artes, as televisões, a internet, etc.

Quanto aos imperialismos, já analisamos os dois casos específicos – o Império Romano (oficial) e o “Império Americano” (metafórico) – cujas semelhanças são tão evidentes que dispensam as comparações entre os respectivos mecanismos materiais (militares ou econômicos) destinados a ampliar seus poderes hegemônicos sobre os demais povos e nações.

Por outro lado, em distintas medidas, as duas nações conviveram e reconheceram a existência das demais – o que lhes retira o caráter estritamente monopolista – assim como chegaram a possuir (Roma, por vários séculos) instituições representativas da vontade de (alguns) eleitores; o que nos autorizaria inclusive a aceitá-las, oficialmente, como nações “democráticas”. Ainda que tudo seja questionável, sob outras perspectivas extraoficiais.

Por ora, passemos ao plano psicológico, onde cabe destacar o outro traço comum que permitiu, e determinou, que ambos os impérios afinal alcançassem seus objetivos: um brutal domínio das mentes, através dos respectivos mecanismos manipuladores das ideias – o cristianismo e o capitalismo. Estes sim, autênticos monopólios (repito, embora Roma e os EUA não o fossem, em si).

Podemos assim prosseguir sem as habituais confusões mentais (ou contestações semânticas) e até nos despedir de Roma e do “seu” monopólio cristão, para nos fixarmos nos dois imperialismos modernos – os Estados Unidos e a Rede Globo.

Nestas duas metáforas de “império”, as regras (e eventuais exceções) se traduzem por imagens análogas, em que pesem as distinções óbvias entre uma nação e uma emissora de televisão. Talvez falte apenas esclarecer por que, ao contrário da primeira, trato apenas a segunda como um monopólio.

As distinções materiais

E começo pela matéria “bruta”: a vocação hegemônica da potência mais arrogante do planeta, ainda assim, não foi capaz de subjugar todas as nações (bastaria citar a China e a Rússia, fora da esfera de influência dos Estados Unidos). Diriam então os imbecis que a Globo também não é a única emissora do Brasil. Com efeito, nem oficialmente, nem na aparência, nem na matéria.

Contudo, voltemos à terceira componente estrutural de um monopólio – a manipulação das imagens – já retratada sob o ponto de vista cinematográfico. Os nossos coxinhas acéfalos (que certamente não o leram) insistiriam em sua “visão” monopolizada, pronta e acabada, dos Estados Unidos: “mas eles não exercem um virtual monopólio – da modernidade e das tendências – no cinema mundial?”

De minha parte, nada parecido foi dito; mas somente que o “império cinematográfico” norte-americano, consciente de seu poder, usou-o despudoradamente (não raro, em sintonia com o poder político) e obteve efetivos êxitos localizados. Ainda assim, jamais conseguiu subjugar o Cinema no resto do mundo.

Exceto no Brasil. Embora meia dúzia de cineastas eventuais, ou resilientes, acredite e nos faça acreditar que temos um cinema. Como se ignorassem que o “nosso filme” de maior orçamento, na década, se chama “A Lei é para Todos” – cujos produtores são desconhecidos, cujos atores são da Globo e cujo público o condenou ao merecido fracasso de bilheteria. Seria irônico, se não fosse um escárnio ao “cinema nacional”. Mas não se viu nenhum “cineasta” brasileiro protestar contra tal aberração.

Em todos os níveis da produção cinematográfica, portanto, o que temos aqui são exceções, jamais a regra. Pois só aqui os americanos dispõem de um efetivo monopólio das imagens, embora dissimulado em agente “cultural” e “democrático” de seus interesses. Razão pela qual é bastante oportuno que existam outras emissoras. Todas, por sua vez (e por consentimento mútuo), subjugadas pela Globo.

Aos olhos do espírito humano

Mas deixemos o plano material, onde as aparências e as imagens realmente enganam, rumo ao plano onde os enganos podem ser vistos, entendidos e (quiçá um dia) revertidos. Não por acaso, do plano do espírito são extraídos também os “melhores” resultados materiais do capitalismo, cujas “operações” (de guerra psíquica) devemos lembrar: contra as emoções, estimulando o egoísmo e as ambições desvairadas; contra a razão, propagando seus sofismas e dogmas econômicos.

Por outro lado, afirmei de fato que a maior operadora planetária de um monopólio psíquico (da fé-cega) fora, outrora, a “Igreja do Cristo”. E que o “Império Americano” se tornaria afinal o maior gestor mundial dos outros dois processos de monopolização da mente humana – através do capital e da manipulação das imagens. Embora não seja a única potência a fazê-lo, como já foi dito.

A Globo, no entanto, é um caso à parte. Entender sua (dupla) singularidade – imperialista e monopolista – implica em concluir nossa investigação da matriz norte-americana que a engendrou e acabou por torná-la mais surrealista do que o próprio “rei”.

A “evolução” das imagens

Já conhecemos as particularidades históricas do american way of life (nos espíritos, a ganância e o egoísmo; na matéria, a violência e o consumismo). Além disso, recordemos que os próprios norte-americanos não tardaram a comprovar a insuficiência, a obsolescência, e a lentidão dos resultados práticos das imagens religiosas, outrora oferecidas pelo ‘criacionismo’ cristão.

No presente, seria igualmente desnecessário analisar as imagens explícitas na virtual totalidade da produção cinematográfica americana: máquinas e perseguições vertiginosas, explosões e destruições mirabolantes, vinganças e punições implacáveis – sempre dos “bons” contra os “maus”.

Em suma, neste novo culto hegemônico, tudo foi cuidadosamente recriado segundo os mesmos “valores” e critérios de “justiça” (cristãos e capitalistas), que podem ser resumidos no traço “cultural” mais representativo da cidadania americana: o comércio, a posse e o uso – legais e indiscriminados – de armas de fogo pela população. Não por acaso, também a “imagem símbolo” de suas “liberdades”.

Diante de um quadro que parece ter sido virado de cabeça para baixo, prefiro a imagem mais singela das ondas que se propagam a partir dos epicentros desse “culto” nacional: dos individuais, nos sucessivos massacres cometidos por (ou contra) jovens estudantes; e dos sociais, como a eleição “democrática” de um Donald Trump. Sintomaticamente, ao mesmo tempo um cínico personagem e um hábil manipulador das imagens televisivas. Durante anos.

Pelo meio, vimos ainda as imagens “espetaculares” da destruição do símbolo mais elevado (neste caso, literalmente) das ambiguidades do capitalismo internacional – as Torres Gêmeas. O dramático episódio, no entanto, terá sido um efeito exclusivo dos “maus”, dirão os espectadores de “boa-fé” (embora ignorantes do referido jogo de espelhos, entre idênticos fundamentalismos criacionistas).

Crenças à parte, as leis físicas também explicam os efeitos das ondas de choque, quando encontram um obstáculo que as devolve na direção de onde partiram. Os inimigos apenas aprenderam as lições dos grandes mestres dos efeitos especiais. O que nem os admiradores sinceros do cinema podem ver, pois permanece deliberadamente oculto, são as misérias materiais – dos guetos de Nova York à chamada América profunda – e as psíquicas, no fundo da alma de cada americano inconsciente de si mesmo.

As imagens “tropicais”

Não bastassem as patogenias que já nos pertencem (igualmente ocultas à consciência dos brasileiros), nem os próprios americanos foram habituados ao volume e à frequência, avassaladores, com que suas manipulações e destruições emergem nas telas da Globo. E falo apenas de suas imagens ficcionais, tão óbvias quanto os respectivos títulos – dos filmes e dos horários “nobres” da própria emissora (como “Tela Quente” ou “Temperatura Máxima”, por exemplo).

Nem sequer precisamos analisar esses conteúdos hiperexcitantes. Basta desafiar o leitor a lembrar do último filme brasileiro – ou de qualquer outra nacionalidade – que tenha satisfeito os critérios “térmicos” dos programadores e “agentes culturais” da Rede Globo; ou citar algum exemplar norte-americano em que não se visse uma cena de perseguição, de explosão e de pancadaria. Ou no qual não se tenha disparado um único tiro.

Passemos das estatísticas óbvias para as questões que de fato não provocam qualquer excitação, ao contrário, apenas denunciam o processo de imbecilização coletiva, pelo excesso de movimento. Ainda que, por ironia, destinado a provocar a estagnação, diante das imagens da “civilização superior”.

Este paradoxo filosófico, não obstante, também revela os primeiros indícios de que somente no Brasil existe um efetivo monopólio da ‘cinematografia’ – literalmente, como registro e porta-voz dos nossos movimentos (incluídos os mentais). Paradoxalmente, a serviço dos Estados Unidos da América.

Comparo, portanto, as características culturais e históricas já analisadas, para eles, com as curiosas antíteses vigentes aqui nos trópicos. E já a partir das perguntas que nunca se calam:

Se eles detêm, no mundo, uma virtual hegemonia técnica da produção das imagens, por que não a exercem através de uma única “entidade cinematográfica” (ministerial, empresarial, produtora, emissora, ou qualquer outra)? E na direção inversa (a que de fato nos interessa): por que essa hegemonia (ou teratologia), técnica e psíquica, veio a ocorrer justamente no Brasil?

Monarquia e Monopólio

As imagens históricas falam por si. Na colonização norte-americana, vimos a opção original pela substituição de um símbolo emocional (o monarca) por uma construção racional de “sua” própria democracia. Não por acaso, muitos dos discursos republicanos visam confundir sentimentos e conceitos que não possuem qualquer vínculo necessário entre si.

A monarquia pode não ser mais do que uma ilusão, para muitos, mas trata-se de um referencial unificador e superior – para todos, sem exceção – portanto democrático, já como definição teórica; ou também na prática, sobretudo nas nações que, sob sua égide, avançaram efetivamente para sistemas democráticos de governo.

Curiosamente, a alternativa “democrática” dos americanos já começou pelas exceções teóricas. E terminou por legitimar, pelo voto, a casta superior e homogênea do homem cristão e anglo-saxão; cuja “tolerância” seria exercida sobre os “mais ou menos” inferiores – mulheres, índios, negros, hispânicos e outros grupos “exóticos” (não só geograficamente). Na prática, ocorreu o inverso das aspirações ditas republicanas. Na melhor das hipóteses, criou-se somente mais uma ilusão de unidade social.

Mas a América não foi sempre o paraíso da imigração e da liberdade?

Sem dúvida. Segundo os padrões e interesses capitalistas – idênticos às hipocrisias vigentes na hegemonia cristã dos séculos anteriores. Até que cedo ou tarde caíssem as velhas máscaras. Ou se levantassem novos muros (como na fronteira com o México), entre tantas outras medidas legais e “democráticas” contra os indesejáveis.

Na dúvida, quanto ao modelo “civilizatório” adotado, em relação à Monarquia Inglesa, temos as contraprovas evidentes nas próprias nações do Império Britânico que optaram por soluções e caminhos mais ou menos distintos – como o Canadá, a Austrália ou a Nova Zelândia – embora igualmente exemplares de como se lidar com as diferenças internas.

A monarquia, que a própria História provou ser compatível com as democracias mais avançadas do planeta (da Noruega ao Japão, além dos três citados acima), na verdade explica por que os brasileiros permaneceram tão diferentes – índios, brancos, pretos e imigrantes – mas, como povo, sempre se sentiram iguais e unidos – quer por definição racional, quer por referência emocional.

Nossas brutais desigualdades e discriminações não provêm das ricas e genuínas pluralidades – raciais, religiosas, culturais – nem do modelo monárquico em si, mas de uma pequena elite econômica opressora e venal. Na lúcida definição do Almirante Othon, os “transnacionais que querem ser americanos”. Precisamente porque invejam o modelo alienígena das “superioridades” raciais, da “pureza” cristã, e da “eficiência” capitalista, que nada têm a ver com a nossa alma multicultural.

A partir da nossa “república”, as mesmas elites econômicas e suas abstrusas degenerações – nas camadas médias – promoveram (e continuam a promover) todos os golpes contra a imensa maioria da população. A começar da própria eliminação da Monarquia Constitucional, nosso republicanismo tupiniquim se perpetuaria nos demais levantes, militares ou não, até o recente golpe midiático-judiciário-parlamentar.

Com efeito, nos Estados Unidos não se vê nada disso, mas sim o extremo oposto: uma tediosa homogeneidade mental dissimulada em democracia plural. Na melhor das hipóteses, quando algo lhes foge ao controle, vemos a eleição de um presidente negro. Menos por concessão do establishment do que pelos méritos pessoais de um Obama, dentro da mediocridade intelectual vigente. Ainda assim, apenas mais um respeitável serviçal da estabilidade do sistema.

Lá, porém, tudo volta ao “normal”, enquanto aqui volta às mãos da insidiosa elite. Lá, eles logo providenciam, pela via legal e democrática, um novo alterego de sua própria inconsciência – como o Trump. Aqui somos despojados das raras conquistas democráticas através da manipulação e corrupção (das leis, das imagens e das consciências), sem termos elegido um tipo pusilânime e abjeto – como o Temer – nem poder eleger o líder absoluto, nas pesquisas e na História. E há quem ache tudo normal.

Entretanto, os Estados Unidos podem de fato dispensar um ‘manipulador único’ da nação, pois a imensa maioria – do povo e dos mecanismos midiáticos – já “vê” o resto do mundo sob o mesmo prisma e se orgulha de sua própria trajetória selvagem. No Brasil, ao contrário, os sucessivos golpes históricos em nossa autoestima – desde a autocrática deposição do imperador – não só evidenciaram outras tantas carências materiais, como a orfandade de referências nacionais.

Eis o ponto de chegada de nossas teorias (ou de partida, para a análise das provas): na prática, foram nossas carências seculares que prepararam o terreno fértil para um monopólio de comunicações em solo brasileiro, e a soldo dos americanos. Voltaremos a este Império “Global” (de uma única família), como a referência absoluta da nossa elite “vira-lata” – assim chamada por seus próprios complexos.

Com efeito, dos três patéticos “transnacionais” que mal falam o inglês (e falam mal o português) em suas pornográficas exibições de inveja pela “civilização” do Norte,  nenhum deles foi sequer à universidade. Mas talvez tenhamos, na própria inveja dos Marinho, a imagem mais gráfica de um “monopólio do ódio”. Neste caso, pelo Lula – o maior fundador de universidades da história contemporânea, no planeta.

Quanta ironia!

 


 

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